O dia 13 de maio é símbolo da resistência, luta e um marco histórico no Brasil, pois se celebra a Abolição da Escravatura. Após seis dias de votações e debates no Congresso, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea decretando a libertação dos escravos no País a partir de 1888. Mas, 133 anos depois, há o que se comemorar nesta data?
Para responder ao questionamento, a socióloga Camila Maton faz uma importante reflexão, neste 13 de maio, sobre a real situação do trabalhador brasileiro em meio à pandemia, com altos índices de desemprego, famílias sem renda e em busca por sobrevivência. Ela é enfática ao concluir que: “a tinta da caneta da abolição da escravatura ainda não secou”.
“Saímos do dia 1º de Maio, em que se celebram conquistas trabalhistas, e chegamos ao 13 de Maio vivendo o retrocesso dessas mesmas conquistas. O que os trabalhadores de hoje têm em comum com os escravos de ontem? Após a assinatura da Lei Áurea, que libertava cerca de 700 mil escravos, os recém-libertos eram colocados à própria sorte no tecido social, frouxo e sangrento da própria elite brasileira. Quantos somos hoje? Alguns milhões de brasileiros em trabalhos similares à escravidão, colocados à própria sorte novamente, em trabalhos sem carteira assinada, com jornadas de trabalho que superam as oito horas previstas pela legislação, com rendimentos abaixo do que é necessário para viver dignamente, sem condições de manter tratamento de saúde caso haja necessidade, sem acesso à licença maternidade e paternidade”, argumenta.
Socióloga compara o que os trabalhadores de hoje têm em comum com os escravos de ontem (Foto: Pixabay)
Camila Maton reforça que vivemos no século XXI, mas com nuances e ciclos vividos em séculos passados, no qual os menos privilegiados são submetidos a condições duras para conseguirem se manter. Ela ressalta, sobretudo, as mulheres negras e enfatiza que o gênero, a cor da pele e o trabalho ainda hoje são muito presentes no racismo institucional.
“As mulheres negras estão à mercê de sua própria desenvoltura social, muitas vezes preterida pelo sistema. O trabalho precarizado diante do desafio da pandemia torna-se cada vez mais ostensivo na sociedade civil, mesmo que invisibilizado pelo governo, o que nos leva a urgir por mais resistência e readaptações. Pensar o dia 1º de Maio é um ato político porque as transformações não se sucederam como deveriam, os trabalhadores de hoje podem ser identificados como os escravos de ontem, ao tempo que o homem e a mulher preta continuam à margem de melhores condições e oportunidades”, reforça.
A socióloga apresenta os dados do Censo Demográfico de 2010, o qual revela que cerca de 59% da população se declara parda ou preta. Isso significa dizer que mais de 100 milhões de pessoas - número expressivo, mesmo que em um país de dimensões continentais - estão sujeitos a conviver com o racismo.
“Seja no trabalho, nos ciclos de convivências, nas famílias de casamentos inter-raciais, nas instituições e na sociedade como um todo, o racismo é um problema social grave que precisa somar forças com aqueles possíveis 41% de brancos (do Censo de 2010) na luta antirracista. É nítido que o caminho é o esforço sério e ininterrupto da inserção de pretos e pardos na vida social e econômica do país. Dar visibilidade a essa discussão é salutar porque, ao que tudo indica, a tinta da caneta da abolição da escravatura ainda não secou”, completa Camila Maton.
Em 2021, 14 pessoas foram resgatadas de trabalho escravo no Piauí
As ações para fiscalizar e resgatar trabalhadores que vivem em situações análogas ao escravo no Piauí têm sido dificultadas devido à pandemia da Covid-19. Mesmo com esse entrave, em 2021, foram resgatados 14 trabalhadores vivendo em condições de exploração no Estado. Esses salvamentos ocorreram durante três operações do Ministério Público do Trabalho no Piauí, nos municípios de Floriano e Teresina.
Em 2020, quando teve início a pandemia da Covid-19, as ações ficaram limitadas. Ainda assim, o Mpt-pi conseguiu resgatar 41 trabalhadores. Em 2019, foram resgatadas 105 pessoas. Na área de atuação Teresina, no ano de 2020, foram cinco autuações, nos municípios de Cocal, Canavieira, Barras, Uruçuí e Teresina. Na área de atuação da PTM Bom Jesus, foram duas autuações em 2020, nos municípios de Alvorada do Gurgueia e Bom Jesus. Em 2021 não houve autuações até o momento. Já na área de atuação da PTM Picos não houve autuações nos anos de 2020 e 2021.
Procurador do Mpt-pi fala dos desafios de realizar as fiscalizações em meio à pandemia (Foto: Arquivo ODIA)
O procurador Edno Moura, coordenador regional de erradicação do trabalho escravo no âmbito do Ministério Público do Trabalho no Piauí, enfatiza que o órgão tem atuado por iniciativa própria, por meio de ofícios, no combate ao trabalho escravo. Em parceria com instituições, como a Polícia Federal e Superintendência do Trabalho, as denúncias estão sendo cumpridas, mesmo diante das dificuldades atuais.
“Tivemos ao longo desse período um enfraquecimento natural da fiscalização do trabalho e também devido às restrições por conta da pandemia. Ainda assim, em 2020, que a atuação ficou restrita a denúncias, resgatamos menos que em 2019, mas foi um número relativamente importante. Isso não significa que o trabalho escravo esteja retrocedendo no Estado, o que tivemos foi uma diminuição no número de operações”, destaca.
Edno Moura comenta que muitas pessoas ainda não reconhecem o trabalho escravo e como ele se caracteriza, tornando-os vulneráveis e vítimas deste ato. Em contrapartida, o número de denúncias tem aumentado ao longo dos anos, o que demonstra que a sociedade tem tomado consciência da importância de relatar esse tipo de abuso.
O procurador do Mpt-pi cita alguns pontos que podem levar o trabalhador a se colocar em situações análogas as de escravos. “Com a pandemia, aumentou o número de desempregados e a população fica mais suscetível a esse tipo de situação. Isso é uma realidade. Quando a pessoa está precisando [de dinheiro] ela se submete a isso, que é o que está acontecendo agora. É um fator que alimenta o trabalho escravo e a exploração”, pontua.